Mundo Cigano

MUNDO CIGANO


“Sou cigana, venho de um povo marcado. De onde viemos e para onde iremos nada disso nos importa. O que importa é o muito que vivemos”.(Esmeralda Liechocki, cartomante, cigana seminômade do grupo calon)







    Periodicamente chega a Cordeiro grupos de ciganos que ficam na cidade fazendo os seus trabalhos. Os homens comercializando carros, relógios, celulares, joias ou bijuterias, cobertores, lençóis e as mulheres lendo as linhas das mãos dos interessados.
Muitas pessoas os veem com preconceito por ignorarem a sua história. Mas é um povo com uma tradição bonita, podendo fazer inveja a qualquer raça que se acha superior a eles.
São pessoas livres em seu universo, que sofrem com o preconceito do não cigano, principalmente por ignorar suas tradições de vida.
Apesar de viverem de forma nômade, ou seminômade, um dos grupos tem residência em Itaperuna, por serem comerciantes tem posses, uma tradição que vem de milênios. As mulheres são vaidosas com suas roupas coloridas, que se assemelham as mulheres indianas, de onde se originaram há mais de três mil anos.        Os ciganos possuem uma história bonita e sofrida, mas que dão a eles o verdadeiro prazer de serem livres.

No Brasil
O primeiro cigano que chegou ao Brasil, foi João Torres, em 1574, que chegou como degradado de Portugal. Depois, em 1808, chegam em situação diferente, fazendo parte da Corte de D. João VI. Eram os festeiros da Corte, ferreiros e meirinhos (oficiais de justiça).   
Os principais grupos de ciganos existentes no Brasil são: o calon, composto por ciganos que chegaram ao Brasil via Portugal e Espanha e o rom, composto por ciganos extra ibéricos que aqui chegaram procedentes da Iugoslávia, Romênia, Rússia, Alemanha, França, Itália, Grécia, Hungria, Turquia. A sua população se aproxima a um milhão de ciganos no país. No mundo são mais de 11 milhões. 
Historicamente nunca houve no Brasil perseguição a este povo. Sempre puderam viver livres e tranquilos apesar do preconceito de algumas pessoas. Notícias sobre o envolvimento de membros desta comunidade em casos de violência é raro. Apenas o imaginário de algumas pessoas alimenta esta falsa ideia. 
Acredita-se que a origem do ex-presidente Juscelino Kubitscheck seja deste povo. 

Origem e tradição cigana
O povo cigano é perseguido há milênios e sempre foram confundidos durante a história. Confundidos por ser um povo livre gerando desconfianças das pessoas presas, principalmente, a conceitos impostos por um sistema dominador. 
A sua origem é desconhecida, mas acredita-se que tenham vindo do noroeste da Índia. Seus trajes, traços físicos, ofícios, além da língua, se assemelham ao povo que vive nesta região, atual Paquistão. O povo cigano fala o romanê, que aparenta ao sânscrito, uma língua da Índia antiga. Presume-se que viraram nômades neste país. Por trabalharem com o fogo, como  ferreiros, forjadores de metal, além de serem quiromantes, foram repugnados pelas castas superiores da Índia antiga.
Para fugir deste tratamento humilhante, e preservar os seus costumes, se afastaram das cidades e passaram a viver de forma nômade. Por mais de três mil anos caminharam pela Índia, quando chegaram a Europa entre os séculos XIII e XIV.
No início eram visto como um povo exótico, pelo modo que se vestiam. Mas com o tempo geraram desconfiança por serem nômades, praticarem a cartomancia e a quiromancia, usando a arte da adivinhação. Assim passaram a ser vistos com desconfianças, principalmente pelas autoridades que começaram a persegui-los. Foram proibidos de falarem a sua língua e de praticar a arte de adivinhação e de trajarem roupas da sua cultura.
No início da inquisição, no século XVI, foram perseguidos juntamente com os judeus e os muçulmanos. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Nazismo teria exterminado entre 200 e 500 mil ciganos em campos de concentração.
Por não terem uma pátria e nem uma origem definida não são reconhecidos como um grupo étnico. Mas em 1976, a Índia lhes concedeu a condição de cidadãos hindus em exílio.

Família
Para o cigano a família é fundamental, dando a ele a consciência de comunidade.  O respeito à criança e ao idoso é fundamental. A criança por continuar a sua tradição e pelo o que serão, e o idoso por ter a sabedoria e a experiência vivida por toda a sua vida e pelo o que são.
Tradicionalmente o cigano tem o seu primeiro nome dado pela mãe após a primeira mamada, quando é soprado no ouvido da criança sem ninguém ouvir. Isto para espantar Beng (o espírito negativo). Somente quando adulto a criança saberá qual o seu nome. O cigano tem um nome para o seu grupo e outro para o gadjé (não cigano).
A escrita gera medo por ser a maioria analfabeta, por que entre eles a comunicação é feito através do romanê. A absorção da cultura gadjé implicaria no fim da própria cultura, por isto a criança não vai à escola. O fato de a maioria ser nômade, vivendo de cidade em cidade, morando em barracas e as crianças maiores tomam conta das menores, enquanto suas mães vão às praças das cidades e seus pais comerciarem, também os afastam das escolas.
Entre os ciganos sedentários, que vivem em casas fixas, o analfabetismo é menor e um pequeno grupo chega à universidade. Mesmo assim, não gostam de ter seus filhos muito tempo nas escolas, no máximo para aprenderem matemática, o que os ajudam nos negócios.
Além dos nômades e sedentários, existe os seminômades, que vivem períodos alternados como nômade e sedentário. 
Outro fator que tira os ciganos das escolas é o medo da criança absorver a cultura gadjé, e se envergonhar de sua cultura, considerada primitiva pelo não cigano, podendo fazer com que seus filhos se afastem de suas tradições. 
Entre os ciganos o que se fala é um forte compromisso entre os ciganos. O não cumprimento da palavra dada implica em julgamento pelo Conselho de Justiça Cigana, composto pelos barôs (ciganos mais velhos). Tem um lema entre os ciganos que a verdade só é dita em romanê, a sua língua.
O que mantêm as suas tradições vivas são as histórias passadas de pai para filho, a tradição oral de seus costumes. As longas conversas dos mais velhos com os mais novos falando de suas origens, costumes, o porquê do nomadismo, os rituais os valores morais, o segredo como o trabalho com o metal. 
Suas músicas que contém assuntos filosóficos da vida cigana. A dança, com posturas imponentes, mostra o modo de viver e o orgulho do que são. Isto geralmente acontece nos brodes, ou patchíus, festas dos grupos calon ou rom, respectivamente. Uma forma de valorizar o que o cigano tem de mais valioso: a sua liberdade. A dança espanhola flamenca, originou da dança cigana.
Embora mantendo a sua identidade e liberdade, o povo cigano se interage com o país em que vive. Principalmente em relação à religião, quando professam a que é dominante no local, uma vez que não tem uma religião, um deus próprio.
Geralmente os pais ciganos escolhem com quem seus filho vão casar, vendo vantagens econômicas. Entre alguns grupos, o casamento acontece depois da fuga dos noivos.
Mas estes possuem uma santa como padroeira, Santa Sara Kalli. Uma das lendas sobre esta santa é que ela auxiliou Maria no parto de Jesus Cristo, e que este a tinha em grande estima. Outra a coloca como serva de Maria Madalena.
A história de Santa Sara conta que ela, juntamente com Maria Madalena, Maria Salomé, mãe dos apóstolos Tiago e João Evangelista, marta e José de Arimatéia, teria sido jogada ao mar, em uma barca sem remos e provisões. 
Ao entrarem em uma tormenta e o desespero tomado conta de todos, Sara teria tirado seu lenço da cabeça e prometido a Kristesco (Cristo) que se tornaria sua escrava e que jamais andaria com a cabeça descoberta em sinal de respeito, se eles se salvassem.
A barca sem rumo aportou com todos a salvos onde é hoje Saintes-Maries-de-La- Mer, no sul da França, e foram amparados por um grupo de ciganos.
É tradição a mulher cigana casada, usar um lenço na cabeça. Sara também é cultuada por ajudá-las quando não conseguem engravidar. Na igreja de Saint Michel, onde estariam depositados seus ossos, existem vários lenços de ciganas que alcançaram a graça de serem mães após promessa feita a santa que é a protetora da maternidade. Seu dia é comemorado em 24 de maio, quando grupos de ciganos se reúnem em sua homenagem.

A morte
Os ciganos acreditam na vida após a morte. Costumam colocar no caixão da pessoa morta uma moeda para que ela possa pagar o canoeiro que fará a travessia do rio que separa a vida da morte. Antigamente a pessoa era enterrada com o seu bem de maior valor, mas devido à violação de túmulos este costume foi mudado. Alguns costumam queimar o trailer, ou barraca, e os pertences do morto. Eles não encomendam missa para seus mortos, mas oferecem uma cerimônia com água, flores, frutas, e suas comidas prediletas, na esperança que a alma da pessoa falecida compartilhe da cerimonia e se liberte gradativamente das coisas terrenas. As cerimônias fúnebres, “Pomána”, são feitas periodicamente até completar um ano de morte. 
Cada raça tem seu orgulho em sua história, e a história deste povo é digna de ser admirada por todos, até mesmo por nós gadjé. 


“Cigano não tem rei, nem pátria, nem presidente. Achamos que o melhor mesmo para nós é caminhar pelo mundo, respeitando as nossas leis que são muito antigas, Jesus, também era um andarilho 
como nós”.
(Rosa Calderas, quiromante, 
seminômade, cigana do 
subgrupo Kalderash)



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