O Último Boiadeiro de Cordeiro












A Torre e o Último Boiadeiro – Fernando Martins Coelho

A idéia inicial era falar da torre da Fazenda Monte Alegre, que nós conhecemos por Fazenda da Torre. Contar a história daquela que é a mais antiga construção datada, da cidade. Um patrimônio de 155 anos. Mas daí conheci o Seo Fernando Martins Coelho...

Aos 80 anos, Seo Fernando nasceu na própria fazenda. Tem muitas histórias para contar, de uma Cordeiro que imaginamos, mas não vivemos. Estradas não existiam, eram trilhas para passagem de animais e carroças. O trem era a forma de entrar e sair da cidade. Ele conheceu as três estações de trem erguidas aqui. Trabalhou no serviço pesado da fazenda, onde nasceu, foi boiadeiro, caminhoneiro e acima de tudo um grande chefe de família.

Fazenda Monte Alegre a da Torre

José Martins, avô de Seo Fernando, comprou em 1913 a Fazenda Monte Alegre, do Tenente Antonio Machado Botelho, que edificou a torre em 1853. A torre servia de ponto de vigia e segurança da sede, onde um escravo sempre permanecia no alto, anunciando a chegada de alguém tocando um sino. O sino também servia para marcar a hora do trabalho na fazenda. No pátio da sede há uma inscrição de um jardim feito por Margarida Ignácia Joaquina, esposa do tenente, em 1835.

A torre mostra um período de riqueza da região. Em 1853 o vilarejo de Cordeiro não existia. Existia apenas fazendas de café. Cantagalo só se tornaria cidade em 1857.
O que seria Cordeiro só começaria a se forma duas décadas depois, com a vinda da estrada de ferro para a região o que serviu de marco para a fundação da cidade de Cordeiro.
Foi o período áureo de Cantagalo. A região era uma das mais prósperas produtoras de café do Brasil e o café o principal produto de exportação do Império.
Ao comprar a Fazenda em 1913, com 200 alqueires de terra, José Martins Sobrinho, português de nascimento, e Dona Maria Rodrigues Martins, ergueram a casa sede que existe até hoje. Ali nasceram seus sete filhos. Laura Martins; Júlia; Irene, mãe de Dona Marlene Salgado de Oliveira, reitora da Universidade Salgado de Oliveira; Maria José; José Martins Júnior e Jair Martins.

A família Martins doou à antiga igreja o sino da torre, castiçais e o lustre de cristal.
Seo Fernando é filho de Laura Martins e Fernando Daredt Coelho, imigrante português, que veio para Cordeiro trabalhar no comércio de Pires Silveira & Companhia, e trabalhou desde sedo, acompanhando o avô na lida da roça.


A queda do café no mercado mundial
Quando nasceu, o café vivia seus últimos momentos de riqueza. Logo, em 1929, haveria a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, o que faria cair seu preço para menos da metade.
Na década seguinte, com Getúlio Vargas no poder, e incentivado pelos produtores na tentativa de recuperar o mercado, o presidente, manda queimar toda a produção excedente do produto. Seo Fernando cita que: "Todas as fazendas tinham engenho de cana, muitas desmontaram para fazer dinheiro. Lá na Cruz das Almas, eu me lembro que botou lá o café e foi feita uma montanha, tudo da melhor qualidade e dois soldados tomando conta. Criança nenhuma podia pegar uma colher que fosse. Precisava ver a qualidade de café que queimava, tudo da melhor qualidade e o fogo queimando, que tristeza...".


Quando criança Fernandinho, como é chamado pelos amigos, foi para Niterói acampanhar o pai, que ajudou na construção da estrada de Niterói à Maricá. "Na época tudo era um pântano, muitos trabalhadores que saíram de Cordeiro acabaram morrendo de febre. Quanto mais forte mais fácil pegava a febre", lembra.


Uma das poucas lembranças da vida de criança de Seo Fernando é desta época. Morando em Niterói, o então Governador do Estado da Guanabara fez a travessia de lancha para Niterói e um grupo de alunos do Colégio São João, onde ele estudava, foi recepcionar Protós Guimarães. Criança, sentia saudades da mãe e retorna a Cordeiro para a vida que mais gostava: o campo.
Aqui que ele podia correr a pé ou a cavalo, ajudar na plantação de café e fazer tudo que a roça lhe permitia. Apesar do café já não ser mais o produto valioso de outras épocas a produção continuava. A colheita era feita pelas mulheres dos colonos e pelas crianças, eles mesmos quem peneiravam e limpavam o café, colocando no terreiro para secar. Após isto o café era medido em balaios para ver a produção. Depois começava o preparo dos grãos. A produção era rodada no terreiro, secada, depois lavada. Novamente o café era secado, ensacado e levado para a estação ferroviária para ser embarcado para Niterói, ainda com casca.


Ainda não havia o IBC, Instituto Brasileiro do Café. Este só viria para Cordeiro no final da década de 1940, onde funcionam hoje os Bancos do Brasil e Itaú. O IBC possuía um galpão e um terreiro para a secagem dos grãos, onde também era descascado e embarcado pronto para ser torrado e moído. Na época já se fazia o uso consciente dos resíduos. A casca era usada pelos próprios cafeicultores como adubo nas fazendas.


A vida era bem diferente da de hoje. Na época Fernando viu muitos bandos de porcos e perus sendo conduzidos para Nova Friburgo, na época do natal. "Igual uma boiada, mas eram porcos e perus", relembra sorrindo .


Aos poucos as fazendas da região começaram a perder a vida que possuíam antes. A fartura de outras épocas já não era mais realidade. Seo Fernando com 20 anos, passa a conduzir boiadas para Niterói. Vida Dura, mas de prazer. Chegou a conduzir boiadas de Itaperuna à Niterói. Tudo em trilhas e em lombo de burro, o mesmo que o avô, falecido em 1950, fez por muito tempo e em época ainda mais rude. A viagem era feita por etapas, sendo que a Fazenda da Torre servia de triagem, para ver qual animal era aproveitado na fazendo ou precisasse de cuidados, para depois seguir viagem de sete dias, quando tudo corria bem, até Niterói.

Chuva, sol, serra, trilhas, onças... A natureza ainda estava com sua vida normalizada.
Já fazia um ano que "Seo" Fernando namorava Dona Maria de Lourdes Castro Coelho. Ela morava em Friburgo e sempre que ele passava por lá, conduzindo alguma boiada, havia o tempo para namorar.
Foi depois de casar, em 1953, que Fernando mudou para Niterói e trabalhou durante oito anos administrando a Fazenda Dendê, em Itaboraí, trabalhando com boi. "Aquela vida eu gostava, cavalo todo dia !".

Voltou para Cordeiro, com a família, no início da década de 1960. Agora já tinha os três filhos: Jaíra, Jair e Laura. Comprou a sede da Fazenda Monte Alegre onde mora até hoje, continuando com a vida de trabalho e luta no campo. Há muito a região já havia deixado de ser predominantemente cafeeira, e vem predominando até hoje, com a produção leiteira. Diz que quem trabalha com leite tem uma vida de escravo, pois tem que se dedicar todos os dias, não tem feriado, igual a padeiro.

Como todo homem do campo que teve uma vida de luta, também foi enérgico com a educação dos filhos. Todos tinham suas tarefas na fazenda. Lazer só depois da obrigação com os serviços. Mas um homem de princípios. Quando faleceu sua irmã Helena e seu cunhado, ele assumiu a educação dos sobrinhos que eram todos pequenos. Eliana, Laufrânio, Janaína, Anísio e Anderson. Além destes sobrinhos, criou outros tantos que até perde a conta, muitos falam em 50 filhos agregados.

Trabalhou como caminhoneiro viajou por oito estados do Brasil, outro modo de vida que gostava. Tanto que afirma com satisfação que "se pudesse voltar novamente na vida, gostaria de voltar com um caminhão pago, para não ter que recusar viagens por ter que voltar para pagar a prestação do caminhão; ou como boiadeiro no pantanal".

Fernandinho foi um homem de trabalho, muito trabalho. Também trabalhou em fábrica de vidro, conhecendo todas as etapas de produção. Em Cordeiro ajudou a fazer o muro do campo do Cordeiro F.C., a casa da família de Wagner Vieitas, ampliação na antiga fábrica de tecido, onde hoje é o galpão da prefeitura. É maçom, ajudou na construção da Capela Mortuária, entre outras obras da Loja Maçônica Pátria e Família.

Bolero o companheiro
Seo Fernando tinha um companheiro inseparável na vida de peão, o cavalo Bolero. Cavalo branco de porte sedutor. Era um animal inteligente. "Chegava com ele e soltava no pasto a noite. No dia seguinte, depois de tirar leite das vacas, eu gritava: Bolero... Bolero... ele aparecia aqui para eu tirar o suor do corpo dele, daí ele se sentia bem. Tinha duas coisas que ele não gostava ficar sujo e andar desferrado", lembra Fernandinho.

Era também companheiro nas idas ao centro da cidade nos finais de semana. Sempre que tinha tempo para uma prosa, uma cachacinha e cervejas se juntava aos amigos. Nestas reuniões com Betinho Vaca Brava, Nélson e Tuta do açougue, entre outros, sempre sobrava histórias.
Como o dia em que Tuta quis montar no Bolero, já tinha passado das 22 horas, horário de estar em casa, e Bolero estava inquieto. "Foi só pôr o pé no estribo e o cavalo saiu. Foi um tombo só", recorda aos risos "Seo" Fernando. E foi a mesma reação que teve Betinho Vaca Brava e Nélson do Açougue, que se emocionaram ao relembrar os bons momentos que tiveram com Fernandinho. "Sujeito bom demais... cara que nunca fez questão de nada. Eu me considero muito amigo dele", fala Nélson em um tom reconciliador, pois há muito tempo não está com o amigo.

Fernando Martins Coelho depois de muitos anos em lombo de cavalo ou burro, sentado na boléia de caminhão e todo o tipo de luta, há 12 anos, por sentir dormências nas pernas, passou por uma cirurgia mal sucedida, e perdeu quase todos os movimento das pernas. Um homem de valor, que ao seu modo, viveu e criou, com a ajuda da eterna companheira Mariazinha, seus filhos e agregados de forma digna, tanto que todos eles herdaram o caráter do pai e tio. E acho que ganhei um amigo e um bom papo. Eu quero conservar esta amizade, para saber mais das histórias do último boiadeiro vivo de Cordeiro.

Comentários

Anônimo disse…
Oi José Ricardo,
muito interessante essa postagem...
Bom, estou procurando informações sobre a família Paiva, Botelho de Acantara e Ventura de Cordeiro. Se puder, entre em contato comigo.

larissagpbio@hotmail.com

Obrigada
A sede da fazenda Monte Alegre em Cordeiro, é lindíssima.
Todas às vezes que passo por aqueles lados, fico admirando.
Adoraria conhecer.
Unknown disse…
Esta fazenda perteceu aos meus antepassados.
Todas as vezes que passo por la fico apreciando e imaginando como era vida nela.

Postagens mais visitadas deste blog

Passos da Paixão de Cristo em Congonhas-MG

Os Doze Profetas de Aleijadinho

148 anos do início do povoado de Cordeiro