Alderi Hermisdorff – O guardião da história de Cordeiro

O guardião da história de Cordeiro
“O objetivo da história é iluminar o passado para entendermos o presente e construir o futuro. Uma sociedade inculta, incapaz de estudar e analisar a história, não consegue entender a si própria. E, nesse caso, não está apta a construir o futuro de forma estruturada”.
(Laurentino Gomes, jornalista e escritor, autor do livro “1808”, que conta a história da vinda da família real portuguesa para o Brasil)
Esta introdução para falar de Alderi Perquiss Hermisdorff é pela paixão deste pelo serviço que faz: trabalhar, entre outras coisas, no arquivo público da cidade. E o respeito que ele tem pelo acervo municipal o faz um verdadeiro guardião da história de Cordeiro.
Mas antes de falarmos do arquivo, vamos conhecer um pouco mais o seu guardião.
Alderi, ou Dida, como é conhecido, é nascido e criado no Arraial do Sapo. Aos 14 anos começa a trabalhar na Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Piedade, como mecânico. Apaixonado pelos estudos sai de Cordeiro e vai para Nova Friburgo, depois para o Rio de Janeiro e São Paulo. Chega a cursar dois anos de Teologia, no Seminário Presbiteriano de Campinas.
Em 1970 retorna para Cordeiro e começa a trabalhar na construção da fábrica de cimento Alvorada. No mesmo ano retorna a São Paulo e é selecionado pela construtora Camargo Corrêa para trabalhar na construção da Transamazônica.
A Transamazônica, BR-230, é a terceira maior rodovia do Brasil, com quatro mil km, de oito mil projetados inicialmente. Foi construída durante o regime militar, com a intenção de ligar o nordeste ao norte do país, cortando os estados do Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas. Chega com a equipe de frente na desapropriação de terras, fazendo o levantamento topográfico da área.
“Nós íamos à frente, abrindo estrada até Jacareacanga – PA. De 2ª a 2ª tínhamos que trabalhar e apenas alguns domingos tirávamos para lavar roupa, jogar futebol. Durante oito, nove meses trabalhávamos direto, sabendo que no período das chuvas pouco daria para avançar mata adentro”.
Depois de três anos vai trabalhar na construção da Perimetral Norte, a BR-210, planejada para cortar a Amazônia brasileira, do Amapá a fronteira do Amazonas com a Colômbia. Projeto suspenso em1977, por falta de verba, após cruzar diversos territórios indígenas que ainda não haviam sido contatados pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Em Caracaraí - RR vários índios Yawarip, subgrupo dos Yanomami, morreram contaminados com doenças dos brancos e os sobreviventes passaram a mendigar na beira da estrada.
“Eu fui para a Perimetral Norte, no então território de Roraima. A carga de trabalho era igual na Transamazônica. Íamos para Manaus de seis em seis meses. Em Roraima tivemos contato com os Yanomami. Não podíamos ter contato direto para não passar doenças para eles”.
Malária
Um dos maiores problemas para as pessoas na Amazônia é a malária. Lá Dida contraiu a doença e um mateiro o curou.
“Em Caracaraí, os enfermeiros tinham códigos para o estado de saúde de cada doente. Uma cruz para quem estava bom, duas para o ruim e três para quem estava muito mal. Este era o meu estado. Já estava para ser embarcado para um hospital em São Paulo, quando um mateiro me perguntou se eu queria ser curado por ele... Colocou-me deitado e cobriu meu corpo com algodão e derramou álcool por cima. A febre estava em 40° e depois de algum tempo ela voltou para os 36° normais. Daí ele preparou um remédio amargo a base de fedegoso. Cortaram na raiz e fizeram um chá, uma água verde. Era para não beber água, apenas aquilo. Rapaz, quando bebia aquilo eu tinha que comer algo doce para tirar o amargo... E eu fui melhorando.
Quando o médico chegou para me levar para São Paulo, eu já estava jogando bola. Fui curado pelo remédio do mateiro. Nunca mais eu tive problemas. Lá eu tive contato com muitas pessoas antigas, que foram para lá como soldado da borracha. Até com aqueles que se embrenharam no meio da selva desde a segunda guerra”.
Arquivo Público de Cordeiro
Em 1978 Alderi volta para Cordeiro e é aprovado em concurso público para trabalhar na prefeitura, que funcionava onde hoje é o Sindicato Rural. Quando passa para o prédio atual da antiga Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Piedade, em 1983, começou a organização do Arquivo Municipal. Este arquivo não está completo porque parte dele, referentes à época como distrito, foi perdido em uma enchente em Cantagalo.
Hoje os documentos estão divididos em duas salas. Uma sala com documentos da década de 1930 a 1989 e em outra os documentos de 1990 até os dias atuais. Estes últimos todos organizados, os primeiros, apenas parte deles.
E aí que entra o guardião da história
A primeira pessoa a organizar o arquivo foi Orlando Regazzi. José Joaquim T. Queiroz, Benedito Ponce e João Henrique S. Pinheiro, o Budy, também trabalharam no Arquivo.
“Depois que o Budy saiu do arquivo, tudo ficou abandonado. Eu sendo assistente administrativo assumi o arquivo justamente para este não ficar jogado as traças ( teve um antigo funcionário que vendeu à cooperativa de papeis de Cantagalo, documentos antigos para virarem papel higiênico). Sempre tem uma pessoa precisando de algum documento antigo e sou eu quem vai procurá-lo... Há a necessidade de organizar todos estes documentos por ano e assunto, para facilitar estas buscas.”
Sem contar o fator praticidade, há a necessidade de preservar muitos documentos que estão comprometidos por cupins. Cada vez que se mexe em determinados documentos, corre-se o risco de estragar alguns deles. A sorte é que a grande maioria está conservada.
“Temos documentos aqui desde 1944, primeiro ano como cidade emancipada. Os documentos estão organizados por assunto: Imposto, prestadores de serviços, indústrias, processos de compra, mapas de receitas do município entre outros”.
A cada documento encontrado vem a certeza da necessidade de preservação destes documentos que traçam uma radiografia do que foi Cordeiro a cada época de sua história.
Tem documentos do primeiro ano da cidade, 1944, como o que o prefeito da época, Mario Vianna Neto, contrata os serviços de Avelino Piccinini, para a confecção de paralelepípedos para os primeiros calçamentos da cidade. O contrato rendeu a Avelino a quantia de CR$ 440,00 cruzeiros o milheiro. Em outro a prefeitura dá crédito especial para a reforma das estradas e construção de obra de arte do sistema viário. O que seria obra de arte não foi possível descobrir.
Outro documento interessante é da fundação da Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, em 30 de maio de 1944, por Georgina van Erven Portugal, viúva de José Teixeira Portugal e proprietária da Fazenda Santa Clara à época. Entidade de fins humanitários.
É clara a necessidade de melhor organizar estes documentos mais antigos antes que fiquem totalmente comprometidos. Dida se preocupa, mas tem coisas que não depende dele.
Alderi está aposentado e logo terá que parar de trabalhar, uma vez que ele não é eterno. A prefeitura tem que aproveitar a sua presença, e conhecimento, para organizar estes documentos e treinar outra pessoa para substituí-lo neste serviço tão importante. Este trabalho é apenas um dos muitos feitos por ele na prefeitura. Caso tivesse que se dedicar apenas a este serviço o arquivo poderia já estar organizado.
“Quem vai querer trabalhar em um local em que você abre uma pasta e a encontra toda comida, com ratos e filhotes de ratos mortos lá dentro? Ninguém quer pegar! A gente mexe com muito cuidado porque sei que camundongos têm bastante. Mais um motivo para se investir na recuperação deste arquivo... Tenho muito carinho por estas coisas antigas para não deixar acabar”.
Outro serviço que Dida tem orgulho é do mapa da cidade feito em 1979, junto com Heráclito, onde a experiência como topógrafo na Amazônia o ajudou.
“Eu tenho o mapa de Cordeiro na cabeça. Em 1979 nós fizemos um mapa gigante da cidade, em que foi montado como um grande quebra cabeça, usando papel sulfite. E é este mapa que serve até hoje como referência para os mapas da cidade. Visitei cada rua para conhecer a geografia, o traçado de cada local e poder fazer este mapa cartográfico. Depois vinha e desenhava cada rua”.
Para muitos a pessoa vem ao mundo com uma missão a ser cumprida. A de Alderi é a de guardião destes documentos. Mas quando ele sair da prefeitura como será que trataram o maior patrimônio da cidade: a própria história de Cordeiro!
Família
Alderi em 1978 ao ficar em Cordeiro foi por amor. Ele estava para embarcar para o Iraque, para trabalhar na Mendes Junior quando se apaixonou. O espírito aventureiro se rendeu a Marly Mazzo Almada. Eles têm os filhos Rodrigo, formado em direito, e Alan que faz cursos técnicos na cidade. A maior honra de Alderi é deixar o legado do estudo aos filhos.
(Laurentino Gomes, jornalista e escritor, autor do livro “1808”, que conta a história da vinda da família real portuguesa para o Brasil)
Esta introdução para falar de Alderi Perquiss Hermisdorff é pela paixão deste pelo serviço que faz: trabalhar, entre outras coisas, no arquivo público da cidade. E o respeito que ele tem pelo acervo municipal o faz um verdadeiro guardião da história de Cordeiro.
Mas antes de falarmos do arquivo, vamos conhecer um pouco mais o seu guardião.
Alderi, ou Dida, como é conhecido, é nascido e criado no Arraial do Sapo. Aos 14 anos começa a trabalhar na Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Piedade, como mecânico. Apaixonado pelos estudos sai de Cordeiro e vai para Nova Friburgo, depois para o Rio de Janeiro e São Paulo. Chega a cursar dois anos de Teologia, no Seminário Presbiteriano de Campinas.
Em 1970 retorna para Cordeiro e começa a trabalhar na construção da fábrica de cimento Alvorada. No mesmo ano retorna a São Paulo e é selecionado pela construtora Camargo Corrêa para trabalhar na construção da Transamazônica.
A Transamazônica, BR-230, é a terceira maior rodovia do Brasil, com quatro mil km, de oito mil projetados inicialmente. Foi construída durante o regime militar, com a intenção de ligar o nordeste ao norte do país, cortando os estados do Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas. Chega com a equipe de frente na desapropriação de terras, fazendo o levantamento topográfico da área.
“Nós íamos à frente, abrindo estrada até Jacareacanga – PA. De 2ª a 2ª tínhamos que trabalhar e apenas alguns domingos tirávamos para lavar roupa, jogar futebol. Durante oito, nove meses trabalhávamos direto, sabendo que no período das chuvas pouco daria para avançar mata adentro”.
Depois de três anos vai trabalhar na construção da Perimetral Norte, a BR-210, planejada para cortar a Amazônia brasileira, do Amapá a fronteira do Amazonas com a Colômbia. Projeto suspenso em1977, por falta de verba, após cruzar diversos territórios indígenas que ainda não haviam sido contatados pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Em Caracaraí - RR vários índios Yawarip, subgrupo dos Yanomami, morreram contaminados com doenças dos brancos e os sobreviventes passaram a mendigar na beira da estrada.
“Eu fui para a Perimetral Norte, no então território de Roraima. A carga de trabalho era igual na Transamazônica. Íamos para Manaus de seis em seis meses. Em Roraima tivemos contato com os Yanomami. Não podíamos ter contato direto para não passar doenças para eles”.
Malária
Um dos maiores problemas para as pessoas na Amazônia é a malária. Lá Dida contraiu a doença e um mateiro o curou.
“Em Caracaraí, os enfermeiros tinham códigos para o estado de saúde de cada doente. Uma cruz para quem estava bom, duas para o ruim e três para quem estava muito mal. Este era o meu estado. Já estava para ser embarcado para um hospital em São Paulo, quando um mateiro me perguntou se eu queria ser curado por ele... Colocou-me deitado e cobriu meu corpo com algodão e derramou álcool por cima. A febre estava em 40° e depois de algum tempo ela voltou para os 36° normais. Daí ele preparou um remédio amargo a base de fedegoso. Cortaram na raiz e fizeram um chá, uma água verde. Era para não beber água, apenas aquilo. Rapaz, quando bebia aquilo eu tinha que comer algo doce para tirar o amargo... E eu fui melhorando.
Quando o médico chegou para me levar para São Paulo, eu já estava jogando bola. Fui curado pelo remédio do mateiro. Nunca mais eu tive problemas. Lá eu tive contato com muitas pessoas antigas, que foram para lá como soldado da borracha. Até com aqueles que se embrenharam no meio da selva desde a segunda guerra”.
Arquivo Público de Cordeiro
Em 1978 Alderi volta para Cordeiro e é aprovado em concurso público para trabalhar na prefeitura, que funcionava onde hoje é o Sindicato Rural. Quando passa para o prédio atual da antiga Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Piedade, em 1983, começou a organização do Arquivo Municipal. Este arquivo não está completo porque parte dele, referentes à época como distrito, foi perdido em uma enchente em Cantagalo.
Hoje os documentos estão divididos em duas salas. Uma sala com documentos da década de 1930 a 1989 e em outra os documentos de 1990 até os dias atuais. Estes últimos todos organizados, os primeiros, apenas parte deles.
E aí que entra o guardião da história
A primeira pessoa a organizar o arquivo foi Orlando Regazzi. José Joaquim T. Queiroz, Benedito Ponce e João Henrique S. Pinheiro, o Budy, também trabalharam no Arquivo.
“Depois que o Budy saiu do arquivo, tudo ficou abandonado. Eu sendo assistente administrativo assumi o arquivo justamente para este não ficar jogado as traças ( teve um antigo funcionário que vendeu à cooperativa de papeis de Cantagalo, documentos antigos para virarem papel higiênico). Sempre tem uma pessoa precisando de algum documento antigo e sou eu quem vai procurá-lo... Há a necessidade de organizar todos estes documentos por ano e assunto, para facilitar estas buscas.”
Sem contar o fator praticidade, há a necessidade de preservar muitos documentos que estão comprometidos por cupins. Cada vez que se mexe em determinados documentos, corre-se o risco de estragar alguns deles. A sorte é que a grande maioria está conservada.
“Temos documentos aqui desde 1944, primeiro ano como cidade emancipada. Os documentos estão organizados por assunto: Imposto, prestadores de serviços, indústrias, processos de compra, mapas de receitas do município entre outros”.
A cada documento encontrado vem a certeza da necessidade de preservação destes documentos que traçam uma radiografia do que foi Cordeiro a cada época de sua história.
Tem documentos do primeiro ano da cidade, 1944, como o que o prefeito da época, Mario Vianna Neto, contrata os serviços de Avelino Piccinini, para a confecção de paralelepípedos para os primeiros calçamentos da cidade. O contrato rendeu a Avelino a quantia de CR$ 440,00 cruzeiros o milheiro. Em outro a prefeitura dá crédito especial para a reforma das estradas e construção de obra de arte do sistema viário. O que seria obra de arte não foi possível descobrir.
Outro documento interessante é da fundação da Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, em 30 de maio de 1944, por Georgina van Erven Portugal, viúva de José Teixeira Portugal e proprietária da Fazenda Santa Clara à época. Entidade de fins humanitários.
É clara a necessidade de melhor organizar estes documentos mais antigos antes que fiquem totalmente comprometidos. Dida se preocupa, mas tem coisas que não depende dele.
Alderi está aposentado e logo terá que parar de trabalhar, uma vez que ele não é eterno. A prefeitura tem que aproveitar a sua presença, e conhecimento, para organizar estes documentos e treinar outra pessoa para substituí-lo neste serviço tão importante. Este trabalho é apenas um dos muitos feitos por ele na prefeitura. Caso tivesse que se dedicar apenas a este serviço o arquivo poderia já estar organizado.
“Quem vai querer trabalhar em um local em que você abre uma pasta e a encontra toda comida, com ratos e filhotes de ratos mortos lá dentro? Ninguém quer pegar! A gente mexe com muito cuidado porque sei que camundongos têm bastante. Mais um motivo para se investir na recuperação deste arquivo... Tenho muito carinho por estas coisas antigas para não deixar acabar”.
Outro serviço que Dida tem orgulho é do mapa da cidade feito em 1979, junto com Heráclito, onde a experiência como topógrafo na Amazônia o ajudou.
“Eu tenho o mapa de Cordeiro na cabeça. Em 1979 nós fizemos um mapa gigante da cidade, em que foi montado como um grande quebra cabeça, usando papel sulfite. E é este mapa que serve até hoje como referência para os mapas da cidade. Visitei cada rua para conhecer a geografia, o traçado de cada local e poder fazer este mapa cartográfico. Depois vinha e desenhava cada rua”.
Para muitos a pessoa vem ao mundo com uma missão a ser cumprida. A de Alderi é a de guardião destes documentos. Mas quando ele sair da prefeitura como será que trataram o maior patrimônio da cidade: a própria história de Cordeiro!
Família
Alderi em 1978 ao ficar em Cordeiro foi por amor. Ele estava para embarcar para o Iraque, para trabalhar na Mendes Junior quando se apaixonou. O espírito aventureiro se rendeu a Marly Mazzo Almada. Eles têm os filhos Rodrigo, formado em direito, e Alan que faz cursos técnicos na cidade. A maior honra de Alderi é deixar o legado do estudo aos filhos.
Comentários
Só conhecia Cordeiro de passagem mas lendo suas informações achei a cidade bem simpática e quando tiver oportunidade irei conhece-la
Beijos e bom dia JR